Uma proposta de prevenção para a comunidade surda
Essa HQ bilíngue para surdos visa de forma sensível abordar questões do adoecimento psíquico grave em jovens e adolescentes surdos brasileiros. Embora toda a trama seja sustentada pelo pano de fundo da cidade de Curitiba/PR, tem como premissa alcançar todos os surdos que se enquadrem nos riscos de violência autoprovocada ou de ideação suicida. Ela apresenta uma representação gráfica com traços sensíveis e coloração aquarelada nos predominantes tons de amarelo, azul e verde. A escolha das cores se dá pela simbologia que carregam, cada qual representando um movimento social. Azul é a cor que representa a comunidade surda, carrega uma historicidade política, cultural e linguística, enquanto o amarelo é símbolo da vida, do mês de prevenção ao suicídio. Com as duas cores misturadas, formam-se a terceira cor predominante em nossa história em quadrinhos, o verde! Essa cor faz alusão exatamente ao seu sentido mais stricto: a junção de duas cores para a formação de uma terceira, terceira essa que passa a assumir um significado extremamente sensível: o valor que as vidas surdas têm!
A junção das duas cores retrata a união de dois movimentos, duas forças que se casam para dar vida a um terceiro movimento, o setembro verde, mês que assume para nós uma roupagem de esperança para uma comunidade que por muitos anos não foi viabilizada pelos projetos e movimentos que visam assegurar a vida de todos e das minorias em risco eminente.
O material retrata a história de dois adolescentes surdos que residem em Curitiba e compartilham de uma melancolia silenciosa. Ambos se sentem constantemente tristes e angustiados e não conseguem falar sobre o que sentem pela barreira linguística que os permeia até que se deparam com uma profissional – psicóloga – surda que minimiza a barreira linguística e pode fazer uma intervenção segura.
Prefácio
Recebi um convite para avaliar um trabalho feito em forma de Histórias em quadrinhos.
Não imaginava o que ia encontrar pela frente…
Um trabalho que, por si só, desperta emoção, evoca sensações claras sobre o que é ser diferente numa sociedade que não entende o silêncio.
Uma história também silenciosa que mostra um caminho que é percorrido por muitos e percebido por poucos… um caminho que mostra como é construído um caminho de sofrimento gerado pela exclusão… e que também mostra para onde caminha quem percorre caminhos de exclusão.
A história evoca a necessidade de aprendermos a decodificar o silêncio e a dar voz a quem silenciosamente chora por vivenciar o não pertencer e o que é estar à margem de uma sociedade que vive de gritos, barulhos, música alta e incapacidade de ouvir.
A personagem que “ouve” a voz inaudível e que compreende os dramas de cada um dos personagens, e que “fala” numa linguagem concreta, ainda que silenciosa, nos remete à importância de desenvolvermos formas empáticas de acolhimento e de métodos alternativos aos métodos do mundo barulhento…
Acolher, integrar, incluir e compartilhar… Palavras básicas que deveriam ser parte do nosso dia a dia (e oxalá um dia assim seja)… Palavras que enquanto movimento existencial podem substituir cortes, machucados, drogas e tentativas de arrancar a dor a qualquer custo.
Dores silenciadas pelo silêncio dos que não olham para o outro ser humano como um igual…
O trabalho elaborado pela Lucas, orientado pela Kelly e ilustrado pelo Alexandre me surpreendeu pela beleza estética e pela capacidade de tocar a alma de quem “lê”.
Desejo que seja instrumento de transformação, que vá longe e atinja todos os lugares de silêncio, fazendo um barulho imenso por onde passar…
Obrigada pela lição e pela oportunidade de participar deste momento.
Karim Xavier da Silva
Psicóloga Psicodramatista
Pósfácio
A depressão é hoje um dos principais problemas de saúde a nível mundial. Trata-se de um problema de saúde mental, que tem consequências sérias sobre a saúde física, o bem-estar e a qualidade de vida de milhões de pessoas.
A depressão não escolhe pessoas: atinge todos, independentemente da idade, gênero, condições sociais ou quaisquer características pessoais.
Ao longo da nossa vida, todos passamos por vivências de perda de alguém ou de algo, e isso nos deixa, inevitavelmente, tristes. Faz parte da nossa humanidade enfrentar a tristeza e com ela ficarmos mais fortes; e entender que perder faz parte da nossa vida mental saudável, por mais sofrimento que tal perda possa nos trazer.
Há, no entanto, momentos em que não estamos só tristes, mas em que aquilo que somos e a nossa capacidade para lidar com a vida estão ameaçados. É possível que nessa altura até nos sintamos sem saída, sem capacidade para lidar com o sofrimento, até ao ponto de levar a comportamentos bem autodestrutivos e, além disso, culpados ou envergonhados por nos sentirmos assim.
É aí que a depressão pode nos estar batendo à porta. E ela ultrapassa a nossa capacidade de lidar com a realidade e afeta a compreensão das coisas que vivemos. Para além disso, muitas vezes nem aceitamos que estamos deprimidos e precisamos de ajuda e, por isso, se foge de falar sobre o assunto com a família, amigos ou profissionais.
É por isso que esta história em quadrinhos é uma pedra preciosa: nos diz claramente que a depressão tem a ver com todos nós, em particular as pessoas surdas, e que não precisamos ter vergonha de procurar e aceitar ajuda e orientação de profissionais. São eles que nos podem amparar para que fiquemos mais fortes e capazes de enfrentar o que a vida nos reserva, encontrando o caminho e recuperando forças e esperança que podíamos pensar perdidas.
Vitor Franco
Psicólogo e pesquisador
Universidade de Évora-PT
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